quinta-feira, 14 de abril de 2016

LUÍS FILIPE CASTRO MENDES

REGRESSO


Já voltei a casa, as portas rangem,
o pó tomou conta de todos os móveis,
deixando-me de pé, a balançar as chaves,
e a interrogar-me sobre o que não fiz.

O tempo que resta não é para confissões
nem para ajustes de contas:
pois quem guarda o guardião, quem despe a roupa
das vestais do templo?
A água corre ainda, um fio sequer, de torneiras
em desuso. Respiro e não deixo de olhar.
Até ao fim não deixarei de olhar.

Que trabalho é este, oculta e extinta miséria
sob os nossos passos?
As janelas com os vidros quebrados, o plástico
por cima dos horizontes perdidos
da transparência. Porque insistes? Porque ficas
à entrada da casa, perdido no olhar
e na memória do que nunca chegou a ser?


Outro Ulisses regressa a casa, Assírio & Alvim, Lisboa, 2016.